Segunda-feira, manhã nublada, eu caminhava sozinho pelas ruas de São Paulo, como gosto de fazer quando conheço um novo lugar. O céu nublado, uma fina garoa acabava de cessar. Parei na esquina da Av. Angélica com a Praça Marechal Deodoro. Aguardava o sinal fechar para atravessar a rua.
Uma senhora muito idosa chamava a atenção de todos. Certamente já ultrapassados os 70 anos de idade e provavelmente moradora de rua, D. Eva postava-se em pé naquela esquina, com alguns pertences e um apito na boca. O sinal abria, os carros andavam e então ela fazia sinal para eles andarem, sempre nessa ordem equívoca, apitando sem parar. O sinal fechava, os carros paravam, ela fazia sinal para eles pararem; voltava-se à rua oposta, mandando que aqueles carros andassem, quando eles já tinham saído há alguns segundos. Ela seguia em seu ofício tresloucado, arrancando risos das pessoas, como um maestro insano regendo com dois compassos de atraso uma orquestra de veículos furiosos. As pessoas sorriam, mas não a repudiavam. É provável que sua idade muito avançada lhes tenha enternecido os corações.
Nada sei sobre D. Eva, mas nos minutos seguintes pensei muito sobre ela, sobre o apito insistente, sobre os movimentos atrasados e incertos de suas mãos, sobre seus pertences postos no canto e sobre sua aparente alegria. De alguma maneira, minha leitura daquela imagem me fez crer que D. Eva era um pouco feliz ali. Como se, de algum jeito, ela pudesse encontrar naqueles gestos aquilo que mais buscava: um sentido para sua vida. Naquele ritual aparentemente vazio descansava seu desvairado coração.
Quase posso vê-la sentir o mundo se mover ao seu comando; em seus pensamentos, sua mão tem o poder de mudar as situações; seu apito valente salva a vida de milhares de pedestres indefesos; sua postura ereta e heróica controla os agressivos instintos daquelas máquinas de transporte. Vejo D. Eva, em seu alucinado exercício de poder, representar seu desejo de mudar sua própria história, de controlar seu destino, de tornar sua vida melhor. Ou talvez D. Eva queira apenas uma simples razão de viver.
Lembro-me e recomendo a leitura de “Em busca de sentido” do Dr. Viktor Frankl, neurologista e psiquiatra judeu-austríaco que desenvolveu a Logoterapia. Frankl desenvolveu o conceito de doenças noogênicas (“provenientes do espírito”). Segundo ele, além das causas somáticas e psíquicas do sofrimento humano, era preciso reconhecer um sofrimento de origem propriamente espiritual, nascido da experiência do absurdo, da perda do sentido da vida. Dizia que "o homem pode suportar tudo, menos a falta de sentido".
São nossos pequenos e grandes sentidos cotidianos que nos mantêm vivos. Nossas mais simples razões de existência – amores, trabalho, missão, etc. – nos conferem valor, renovam as esperanças e nos enchem de motivação.
Uma senhora muito idosa chamava a atenção de todos. Certamente já ultrapassados os 70 anos de idade e provavelmente moradora de rua, D. Eva postava-se em pé naquela esquina, com alguns pertences e um apito na boca. O sinal abria, os carros andavam e então ela fazia sinal para eles andarem, sempre nessa ordem equívoca, apitando sem parar. O sinal fechava, os carros paravam, ela fazia sinal para eles pararem; voltava-se à rua oposta, mandando que aqueles carros andassem, quando eles já tinham saído há alguns segundos. Ela seguia em seu ofício tresloucado, arrancando risos das pessoas, como um maestro insano regendo com dois compassos de atraso uma orquestra de veículos furiosos. As pessoas sorriam, mas não a repudiavam. É provável que sua idade muito avançada lhes tenha enternecido os corações.
Nada sei sobre D. Eva, mas nos minutos seguintes pensei muito sobre ela, sobre o apito insistente, sobre os movimentos atrasados e incertos de suas mãos, sobre seus pertences postos no canto e sobre sua aparente alegria. De alguma maneira, minha leitura daquela imagem me fez crer que D. Eva era um pouco feliz ali. Como se, de algum jeito, ela pudesse encontrar naqueles gestos aquilo que mais buscava: um sentido para sua vida. Naquele ritual aparentemente vazio descansava seu desvairado coração.
Quase posso vê-la sentir o mundo se mover ao seu comando; em seus pensamentos, sua mão tem o poder de mudar as situações; seu apito valente salva a vida de milhares de pedestres indefesos; sua postura ereta e heróica controla os agressivos instintos daquelas máquinas de transporte. Vejo D. Eva, em seu alucinado exercício de poder, representar seu desejo de mudar sua própria história, de controlar seu destino, de tornar sua vida melhor. Ou talvez D. Eva queira apenas uma simples razão de viver.
Lembro-me e recomendo a leitura de “Em busca de sentido” do Dr. Viktor Frankl, neurologista e psiquiatra judeu-austríaco que desenvolveu a Logoterapia. Frankl desenvolveu o conceito de doenças noogênicas (“provenientes do espírito”). Segundo ele, além das causas somáticas e psíquicas do sofrimento humano, era preciso reconhecer um sofrimento de origem propriamente espiritual, nascido da experiência do absurdo, da perda do sentido da vida. Dizia que "o homem pode suportar tudo, menos a falta de sentido".
São nossos pequenos e grandes sentidos cotidianos que nos mantêm vivos. Nossas mais simples razões de existência – amores, trabalho, missão, etc. – nos conferem valor, renovam as esperanças e nos enchem de motivação.
Há meses carrego comigo um celular com câmera. Depois de ver D. Eva e pensar nessas coisas todas, me dei conta de que não registrei aquele momento. Voltei correndo na esperança de encontrá-la, mas ela tinha sumido. Perguntei ao frentista do posto e ele me indicou sua direção. Fui atrás, mas não consegui achá-la. Tirei apenas essa foto da esquina onde a vi.
Disse que nada sei sobre D. Eva. Na verdade nem pude perguntar seu nome. Mas a ela dedico esse texto, com gratidão por me fazer pensar no sentido de minha própria existência, na alegria das pequenas coisas e na beleza oculta em uma manhã de outono paulistano.
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