Eu estava na praia da Azeda, tomando meus 30 minutos possíveis de sol sem proteção (eu sei, dei mole!), quando vi três crianças de aparentes 8 a 10 anos. Eram assim: um menino e uma menina bem branquinhos que pareciam vir de algum lugar muito frio e distante, e uma menina morena que parecia brasileira. Inexplicavelmente, o menino se sentou bem ao meu lado e ficou olhando o mar, na mesma posição que eu. Aquela cena daria uma bela foto, mas eu não tinha uma máquina à mão. As meninas, um pouco mais distantes, viraram-se para ele e perguntaram algo numa língua difícil, que identifiquei ser o alemão. (Há longos 17 anos atrás, fiz dois anos do curso de alemão e, coincidentemente, havia voltado a estudar sozinho pouco tempo antes desse encontro).
Tentei falar com ele em inglês, mas ele pouco entendia. Só consegui confirmar seu país de origem. A partir daí, longe da vigilância e das possíveis e prováveis gozações de adultos perversos, me senti à vontade pra travar um diálogo germânico com o garoto e suas irmãs (a menina morena com carinha de brasileira também era alemã). Como meu alemão equivale ao de uma criança de 5 anos, o menino me corrigia seriamente quando eu errava e se esforçava muito para me compreender, com uma atenção e ar de professor dedicado que me ajudaram a ficar realmente relaxado. Fui melhorando aos poucos. Chegamos a um papo animado sobre música e descobri que ele estuda bateria. Convidei-os então a irem me assistir tocar naquela noite. Só após 40 minutos de conversa, uma jovem senhora, mãe dos meninos, se aproximou. Cheguei a achar que ela fosse dar uma bronca neles. Mas sentou-se e começamos a conversar. Com ela eu já não me arriscaria a falar em alemão, claro. Preferi usar meu inglês equivalente ao de uma criança de 10 anos. A essa altura, depois de umas 2 horas de papo e com a pele vermelha feito um tomate, reforcei o convite e me despedi.
Eles realmente atenderam ao meu convite e foram me assistir no restaurante à noite. Foi uma noite muito divertida. Conversamos muito. Ela me contou o quanto o menino falou de mim para ela durante o dia, lembrando-a o tempo todo do encontro que teríamos à noite. Pedi nomes de cantores alemães para estudar a língua com suas músicas, afinal acho que ninguém aqui jamais ouviu de algum cantor ou banda pop alemã. Fizeram-me uma lista.
Para completar a noite – infelizmente quando já havíamos acabado de tocar – entraram no restaurante o Wagner Tiso e sua mulher. Chamei os meninos e expliquei que aquele era um famoso pianista, compositor e maestro brasileiro (Wagner Tiso compôs “Coração de Estudante” com Milton Nascimento, entre tantas outras canções, músicas instrumentais e trilhas para filmes). Fomos juntos pedir um autógrafo para os meninos. Ele, como sempre aliás, foi muito atencioso. Autografou três vezes, para cada um deles em particular: Philipp, Mia e Caterina. A esposa do Wagner tirou fotos nossas juntos, mas eles estão me devendo estas fotos!
Pensando nisso hoje, lembro que um dia um grupo de crianças chegou perto de Jesus. Seus discípulos – adultos neuróticos como nós – tentavam impedi-las de se aproximarem. Ganharam uma bela bronca e um aviso: “Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele” (Marcos 10:15).
Quando lembro dessa história e de minha amizade com Philipp, penso nessa linda característica dessas pequenas criaturas: crianças abrem portas. Talvez porque tenham o coração escancarado para a vida. Talvez porque não tenham medo de aprender; ao contrário, aprender é sua mais vital vocação. Talvez por ainda não carregarem as neuroses que teimamos em construir em nós. Talvez porque não tenham preconceitos. Talvez porque ainda tenham pontes ao redor de si, pontes que tratamos de implodir ao longo da vida. Talvez porque saibam falar em qualquer língua.
Vários meses e emails depois, enviei meu CD para aquela família de Munique. Recebi de volta um CD do “Rosenstolz” – um grupo de música pop alemã – e um cartão com a seguinte mensagem de meu pequeno amigo Philipp, mensagem que você viu na foto lá em cima e que traduzo aqui:
“Querido Cassio,
Talvez você ainda se lembre de mim. Sou o Philipp. Recebemos o seu CD e ficamos totalmente fascinados. Ficarei feliz se voltarmos a nos ver aqui em Munique. Te enviamos um CD alemão chamado “Rosenstolz”. Espero que você entenda tudo que te escrevi”.
Sim, Philipp... ainda lembro, entendo e aprendo com você!
4 comentários:
Que linda história! Esse é o Cassio que eu conheço... adora pegar um solzinho na praia, olhar o mar e refletir, e nesses momentos ainda aproveita para doar um pouco de si, um pouco de sua alegria, conhecimento e sua presença que é muito agradável. Não me surpreende saber que as crianças são atraídas por ele, creio que as crianças são atraídas por pessoas que possuem o mesmo espírito que elas.
Confesso que fiquei com um pouco de inveja dessas crianças, pois ultimamente não tenho visto o Cassio e gostaria muito de "esbarrar" nele qualquer dia pelo centro...
Saudade! ;)
Bárbara Rocha
Cassio, querido amigo, sempre.
Muito bom te reconhecer nesses textos.
Saber que você ainda é a pessoa sensível de tempos atrás.
Receba meu beijo e meu carinho,
Lee
Fiquei um tempo pensando no termo “tio divertido e engraçado”. Cheguei a seguinte conclusão: sim, voce sempre foi, é e continuará sendo o tio divertido e engraçado que toda criaça gostaria de ter.
Saudades. Beijos e abraços,
Daniel Barreto
Cássio precioso menino dos olhos de DEus...sempre que tenho o privilégio de tempos em tempos de encontrar um pouco de vc por aqui, ou em minhas lembranças de te ver sorrindo; e sempre mesmo que cansado, transbordante de amor, renovo-me em sentir que sua amizade é um presente de DEus pra mim...
E com relação ao seu texto lindo vou escrever um poeminha que fiz bem simples....
Ei criança!
Deixa eu entrar no seu mundo,
e ir bem lá no fundo,
pra brincar e ser feliz.
Sempre que te encontrava era assim...
beijos com saudades imensas,
Paty.
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