segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Passado

Há anos eu aprendi uma lição, e desde então cultivo o hábito de revisitar o passado e checar a trajetória da minha vida. Constantemente analiso meus passos para calibrar a bússola, afinal é muito fácil perder-se no caminho, ou simplesmente passar pela vida sem importar-se com a direção a seguir. Essa lição eu aprendi com um texto simples do livro de “Lamentações de Jeremias”, que diz: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança” (Lm. 3:21).
Algumas pessoas revivem (ou ao menos tentam) o passado: mágoas escondidas, glórias esquecidas, finadas lembranças que lhes roubam o poder de ação, lhes amarram, lhes impedem de prosseguir. São como navios ancorados no mar, longe do porto e incapazes de prosseguir ao destino final.

O pequeno texto que citei ensina um princípio simples e profundo: lembrar o passado é saudável quando lhe traz esperança, quando lhe impulsiona para o futuro. Não importa qual seja esse passado, se triste e sombrio, ou cheio de glórias, ele precisa ser entendido como parte de todo um processo com o qual Deus (ou a vida, se você preferir) tem trabalhado com você. Quando entendemos que nosso passado nos trouxe ao lugar onde estamos, podemos ver com mais clareza para onde podemos prosseguir, e para onde NÃO podemos prosseguir. Nossos acertos nos ensinam, mas nossos erros muito mais.

Não acredito em sorte. Não acredito em azar. Acredito que tudo tem um propósito pessoal e intransferível, e esse propósito só é perceptível para quem consegue “ver de fora” sua própria vida, entender-se, reconhecer humildemente seus fracassos, e valorizar suas próprias virtudes.

Ouvi recentemente em um discurso: “olhe para trás e pense nas pessoas que te trouxeram aqui, desde muitos anos atrás até hoje. Tenho certeza de que ninguém está aqui por si mesmo”. Sabe, quem te “trouxe aqui” não foi apenas quem te ajudou, quem pagou sua passagem, quem te deu o emprego, nem apenas a pessoa que te amou e incentivou. Algumas vezes, quem te trouxe aqui foi quem zombou de você, quem disse que você não era capaz, quem te demitiu, quem te fez sofrer; gente que, provavelmente sem querer, te deu o último impulso para prosseguir, e aí está você. E não se deve pensar nelas com um sentimento de vingança ou revanche. Sei que parece estranho pensar assim, mas a verdade é que mesmo o sofrimento tem seu valor, quando ele é capaz produzir ação, aprendizado e esperança.

Não adianta tentar esquecer o passado, muito menos revivê-lo. É preciso usá-lo, porque você não é uma outra pessoa, por mais que você queira ser. Você é a mesma pessoa, mais madura, mais sábia, mais capaz de entender-se e de lidar com os desafios da vida. E, se você estiver disposto, muitos desafios ainda virão.

sábado, 24 de outubro de 2009

Na estrada


Tenho andando meio sumido do blog, não por falta de assunto, claro, o tempo é que tem sido curto e, felizmente, tem passado depressa. Creio que vale a pena comentar sobre algumas boas coisas que têm acontecido por aqui, especialmente sobre a noite de ontem.

Desde que cheguei a Oregon, tenho sido recebido com muito carinho por professores da Western Oregon University, amigos de classe e músicos em geral que admiram e respeitam a música brasileira. Sempre soube dessa admiração, mas confesso que me surpreendi com essa generosa receptividade. Bom, eles têm o jeito deles de serem calorosos, bem diferente do nosso, mas já estou me acostumando e começando a entender quando eles realmente gostam de uma coisa.

Uma das muitas vantagens em estudar aqui é a possibilidade de tocar em uma big band e, melhor ainda, poder escrever arranjos para ela e ensaiar 3 vezes por semana. Tem sido assim desde que cheguei. Alguns alunos dessa orquestra – eu entre eles – fomos convidados a tocar com a “American Metropole Orchestra” em um show com Sonny Turner durante dois dias em Colusa, na Califórnia, há 8 horas de ônibus de Salem, em Oregon. Entre os 32 integrantes da orquestra, vários professores de universidades da região.

Sonny Turner, hoje com 70 anos, foi o vocalista do “The Platters”, conhecido grupo vocal norte-americano cujos músicas “Only You”, “My Girl” e “The Great Pretender”, entre outras, tornaram-se muito conhecidas em todo o mundo, inclusive no Brasil, na década de 70.

Confesso que fiquei muito impressionado com a jovialidade desse senhor que, mesmo aos 70, continua cantando com perfeição suas músicas nos tons originais, dançando como um garoto e com um humor de quem trabalha por puro prazer. Quem é tenor sabe como é difícil alcançar um si bemol 3! E lá vai Sonny com sua voz gigante alcançando o tal si bemol e arrancando aplausos da garotada – jovens estudantes de música convidados para o evento - e de casais idosos que, abraçados, pareciam reviver uma época de ouro de suas vidas.


Foram assim as duas últimas noites: emocionantes e surpreendentes. Estou na estrada de volta para Oregon agora, refletindo sobre os caminhos que se fecham e sobre os que se abrem, sobre as inúmeras maneiras que Deus encontra de nos abençoar todos os dias. Mas é preciso ter olhos atentos pra nunca perder nenhum detalhe. Mais histórias virão.