segunda-feira, 30 de março de 2009

Crianças, Música e Pontes

Sempre me dei muito bem com crianças. Não sei o que tenho, nem sei se tenho alguma coisa, mas admito que algo em mim as atrai, em boa parte dos casos. Não sou o “tio divertido e engraçado” que imaginamos que elas desejam, mas talvez algumas crianças percebam minha admiração por elas e apenas retribuam com uma atenção especial. Isso me faz lembrar de uma situação curiosa, em Búzios, em 2008.


Eu estava na praia da Azeda, tomando meus 30 minutos possíveis de sol sem proteção (eu sei, dei mole!), quando vi três crianças de aparentes 8 a 10 anos. Eram assim: um menino e uma menina bem branquinhos que pareciam vir de algum lugar muito frio e distante, e uma menina morena que parecia brasileira. Inexplicavelmente, o menino se sentou bem ao meu lado e ficou olhando o mar, na mesma posição que eu. Aquela cena daria uma bela foto, mas eu não tinha uma máquina à mão. As meninas, um pouco mais distantes, viraram-se para ele e perguntaram algo numa língua difícil, que identifiquei ser o alemão. (Há longos 17 anos atrás, fiz dois anos do curso de alemão e, coincidentemente, havia voltado a estudar sozinho pouco tempo antes desse encontro).

Tentei falar com ele em inglês, mas ele pouco entendia. Só consegui confirmar seu país de origem. A partir daí, longe da vigilância e das possíveis e prováveis gozações de adultos perversos, me senti à vontade pra travar um diálogo germânico com o garoto e suas irmãs (a menina morena com carinha de brasileira também era alemã). Como meu alemão equivale ao de uma criança de 5 anos, o menino me corrigia seriamente quando eu errava e se esforçava muito para me compreender, com uma atenção e ar de professor dedicado que me ajudaram a ficar realmente relaxado. Fui melhorando aos poucos. Chegamos a um papo animado sobre música e descobri que ele estuda bateria. Convidei-os então a irem me assistir tocar naquela noite. Só após 40 minutos de conversa, uma jovem senhora, mãe dos meninos, se aproximou. Cheguei a achar que ela fosse dar uma bronca neles. Mas sentou-se e começamos a conversar. Com ela eu já não me arriscaria a falar em alemão, claro. Preferi usar meu inglês equivalente ao de uma criança de 10 anos. A essa altura, depois de umas 2 horas de papo e com a pele vermelha feito um tomate, reforcei o convite e me despedi.

Eles realmente atenderam ao meu convite e foram me assistir no restaurante à noite. Foi uma noite muito divertida. Conversamos muito. Ela me contou o quanto o menino falou de mim para ela durante o dia, lembrando-a o tempo todo do encontro que teríamos à noite. Pedi nomes de cantores alemães para estudar a língua com suas músicas, afinal acho que ninguém aqui jamais ouviu de algum cantor ou banda pop alemã. Fizeram-me uma lista.

Para completar a noite – infelizmente quando já havíamos acabado de tocar – entraram no restaurante o Wagner Tiso e sua mulher. Chamei os meninos e expliquei que aquele era um famoso pianista, compositor e maestro brasileiro (Wagner Tiso compôs “Coração de Estudante” com Milton Nascimento, entre tantas outras canções, músicas instrumentais e trilhas para filmes). Fomos juntos pedir um autógrafo para os meninos. Ele, como sempre aliás, foi muito atencioso. Autografou três vezes, para cada um deles em particular: Philipp, Mia e Caterina. A esposa do Wagner tirou fotos nossas juntos, mas eles estão me devendo estas fotos!

Pensando nisso hoje, lembro que um dia um grupo de crianças chegou perto de Jesus. Seus discípulos – adultos neuróticos como nós – tentavam impedi-las de se aproximarem. Ganharam uma bela bronca e um aviso: “Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele” (Marcos 10:15).

Quando lembro dessa história e de minha amizade com Philipp, penso nessa linda característica dessas pequenas criaturas: crianças abrem portas. Talvez porque tenham o coração escancarado para a vida. Talvez porque não tenham medo de aprender; ao contrário, aprender é sua mais vital vocação. Talvez por ainda não carregarem as neuroses que teimamos em construir em nós. Talvez porque não tenham preconceitos. Talvez porque ainda tenham pontes ao redor de si, pontes que tratamos de implodir ao longo da vida. Talvez porque saibam falar em qualquer língua.

Vários meses e emails depois, enviei meu CD para aquela família de Munique. Recebi de volta um CD do “Rosenstolz” – um grupo de música pop alemã – e um cartão com a seguinte mensagem de meu pequeno amigo Philipp, mensagem que você viu na foto lá em cima e que traduzo aqui:



“Querido Cassio,
Talvez você ainda se lembre de mim. Sou o Philipp. Recebemos o seu CD e ficamos totalmente fascinados. Ficarei feliz se voltarmos a nos ver aqui em Munique. Te enviamos um CD alemão chamado “Rosenstolz”. Espero que você entenda tudo que te escrevi”.


Sim, Philipp... ainda lembro, entendo e aprendo com você!

sábado, 28 de março de 2009

"Olhai os lírios do campo"

“Não andeis ansiosos por coisa alguma... Olhai os lírios do campo, eles não trabalham nem tecem. Eu, contudo, vos afirmo que nem (o Rei) Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pequena fé... Portanto não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará consigo os seus cuidados.” (Mateus 6: 25, 28, 29 e 34)



Se estas palavras podiam parecer desafiadoras quando foram proferidas, há dois mil anos atrás, certamente parecerão impossíveis de se cumprir em nossos dias. Vivemos uma era de muita ansiedade, pressões, busca por resultados, alta velocidade, excesso de informação, superficialidade das relações afetivas. Em nossos dias, parar é um grande problema: é não produzir, não render, é perder tempo e dinheiro. Acontece que, vez por outra, somos forçados a parar. E isso é necessário. Conheço pessoas que pararam após um problema de saúde, um trauma, após uma separação difícil; outros após a dádiva do nascimento de um filho.

Eu também precisei – e preciso constantemente – parar um pouco: avaliar a vida, os rumos, calibrar a bússola, questionar valores e prioridades. Nesses momentos, o texto transcrito acima sempre me foi uma boa lembrança. Os princípios do Evangelho valem absolutamente para todos, inclusive para os que não crêem. Se você crê que Deus cuida de você, não ande ansioso. Mas se você não crê nem mesmo em Sua existência, não ande ansioso também, afinal você já deve ter percebido que a vida segue seu rumo e há muitos momentos em que não temos o controle das situações; os lírios nem cogitam a necessidade de se vestirem bem. Se o controle está nas mãos de Deus ou do acaso, descansar o coração, conhecer-se, reavaliar a rota e descobrir possíveis ganhos que podem advir das aparentes perdas serão sempre bons conselhos.

O mar e a música são minhas companhias constantes, um refúgio para minha alma. A música que produzo e os textos deste blog refletem hoje esse 'pit-stop' da alma. Tenho buscado viver um dia por vez. Tem dado certo. Sei que logo entro no turbilhão de novo. Espero apenas estar mais bem preparado. Aliás, é impossível não comentar que “preparado” me dá a idéia de “pré-parado”, talvez tenha a ver com aquele que parou antes, e agora está pronto pra enfrentar o que vier.