sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Frutos do Outono

Em outubro de 2009 faziam dois meses que eu estava aqui. Apesar de excitante, foi uma época muito difícil. Cheguei a Oregon com uma série de responsabilidades após receber uma bolsa de estudos que inclui a direção de uma banda de música para eventos esportivos. Além disso, o desafio da nova língua, os poucos amigos, o jeito diferente de lidar com as pessoas, a responsabilidade de ser um bom aluno e justificar minha escolha como bolsista, a saudade das coisas e pessoas do Brasil, o clima frio e permanentemente chuvoso daqui (eu estava absolutamente enganado por achar que São Paulo era a cidade da garoa!), tudo isso me trouxe maus momentos, a ponto de eu até pensar em desistir. O outono aqui não perdoa.


Mas como a gente já está cansado de saber, a gente aprende a lidar com tudo na vida. Muitas coisas boas aconteceram e acho até que muita gente passou a portar-se de forma diferente aqui, aproveitando o jeito mais descontraído e amável dos brasileiros.

Um fato importante aconteceu naquele momento mais difícil. Era fim de tarde, eu voltava para casa cansado quando compus uma música que falava de saudade. De alguma forma, como a arte sempre faz, compor aquela canção foi um alívio pra mim. Me deu paz e a certeza de que nos momentos mais difíceis somos mais desafiados e, consequentemente, mais frutos podemos produzir. Isso me fez lembrar Vinícius de Moraes: "...o bom samba é uma forma de oração... pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, é preciso um bocado de tristeza senão não se faz um samba não".

Pouco tempo depois compus uma segunda canção, invertendo os papéis da primeira canção. Na primeira, a perspectiva é de alguém que se foi e espera voltar; a segunda música é sob a perspectiva de quem ficou e espera o outro voltar. Foi assim, brincando com a tristeza do momento (e não pense que as músicas são tristes, porque não são), que iniciei a produção de um "song cycle" - um conjunto de músicas compostas com um tema comum, com o objetivo de serem tocadas em sequência, formando um trabalho inteiro, completo. As canções são cartas enviadas daqui pra lá, de lá pra cá. Falam sobre amor, saudade, o tempo que passa e as mudanças que ele traz.

Esse passou a ser um projeto acadêmico e desafiei-me a gravar um CD como projeto final. As músicas tem estilo brasileiro - samba, bossa-nova, modinha, etc. - e letras em inglês. Após compor as duas primeiras letras e músicas, fui apresentado à professora-poetisa-terapeuta Donna Henderson, de quem me tornei amigo. Escrevemos outras letras juntos e ela compôs sozinha algumas outras. As letras dela são peças de arte, meticulosamente produzidas com o zelo de quem conhece bem a hora de falar e a hora de calar-se.

Estive no Brasil em julho deste ano e lá comecei as gravações. Gravei piano, baixo, bateria, percussão e violão com meus amigos Zé Netto, Flavio Santos e Wagner Trindade. De volta a Oregon, outros amigos aqui se juntaram ao projeto: Christopher Woitach (violão), Keller Coker (trombone), Tom Bergeron (sax e flauta), Adam Bates (vibrafone) e a querida Sherry Alves com sua bonita voz em todas as canções; todos esses últimos são professores aqui na Western Oregon University. Tenho me dedicado intensivamente a esse projeto. Comecei a mixagem há poucos dias, vem coisa boa por aí, provavelmente em junho do próximo ano.

Acabo de ler o blog do meu amigo Henrique Alves. Em sua última postagem ele fala da importância da poesia diária e das incontáveis tentativas da sociedade e da mídia - com suas notícias-de-fim-de-mundo - em nos roubar a beleza da vida, nos fazendo mergulhar numa roda viva de fatos que exigem reação imediata, que enchem nossas cabeças de lixo, e que deturpam nossa visão da vida. A mídia tenta provar que a vida é feia. A arte prova que ela valhe a pena. Tenho escolhido viver a minha vida regada à arte, música, e dependente da Graça de Deus. A ansiedade milagrosamente diminui e os frutos são colhidos pouco a pouco, cada um a seu tempo, em sua própria estação.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Um ano depois...

Na verdade, pouco mais de um ano depois de meu último post, aqui estou eu de novo.

Sábado, madrugada fria de outono, 0:20h, 5°C de temperatura. Tanto se passou desde a última vez em que escrevi sobre "trazer à memória o que me pode dar esperança". Quando paro pra escrever, exercito o ato de trazer à memória cada uma dessas coisas, e confesso que me impressiona a inevitável conclusão de que só tenho gratidão em meu coração. Uma espécie de imutável convicção de que tudo que acontece é fruto da Graça Divina que cai sobre mim, como cai esse cobertor aconchegante e protetor sobre meu corpo nessa noite fria.

Tudo me inspira. Cada experiência - boa ou má - fatalmente se converte em música e poesia. O coração se aquece. As mãos semeiam. A esperança não falha. E o tempo homeopaticamente cumpre sua missão.